A humanidade atualmente constrói sua história sob o pilar da bastante discutível idéia de evolução do mundo. Tal conceito implica nos debates acerca das diferentes noções de tempo.
As sociedades ocidentais trabalham com um tempo escatológico com começo, meio e fim, pois quando Deus criou o mundo houve um início e haverá o juízo final. Nas sociedades orientais o tempo é cíclico e inexiste pelo menos tão arraigada a idéia de evolução como um continuum que só se move para frente. Aliás, muito pelo contrário, pois o conceito de ciclos universais permite a idéia de um retorno ou um período negativo – o conceito hindu do Kali Yuga expressa bem essa idéia, pois o ciclo tem períodos de subida e descida. As coisas são cíclicas e como tal têm começo, meio e fim, mas que esse fim inicia um novo ciclo. Além disso, o tempo incriado dessas sociedades não permite um ponto de partida. Dentro da concepção ocidental, mesmo com a idéia do juízo final, predomina a concepção de que a humanidade caminha para frente apenas e todo o desenvolvimento da tecnologia ilustra isso.
A discussão sobre a idéia de evolução traz à tona o debate sobre crenças primitivas, aquelas que não evoluíram ou aquelas que existiam antes de “evoluirmos” para crenças mais avançadas. Assim foi toda a conversão do cristianismo na Europa, que se dizia superior por uma crença monoteísta em detrimento do politeísmo presente em sua época. Com base na argumentação de paganismo, de culto aos elementos da natureza, culturas inteiras foram dizimadas. Uma dessas culturas foi a dos nativos de toda a América.
O próprio misticismo Ocidental encarna essa concepção de que o que havia na América antes da chegada do “monoteísmo” sublime e salvador, eram crenças supersticiosas de vários deuses, magias, encantamento e formas horrendas de sacrifícios humanos, como se os índios fossem verdadeiros animais.
Para além da questão religiosa, a idéia de evolução que tem permeado o Ocidente gira em torno também do avanço da técnica como pilar do desenvolvimento da humanidade. Os defensores da direita, liberais e neo-liberais, afirmam que nós evoluímos porque antigamente as pessoas morriam de várias doenças, de ataques de animais e que hoje nossa vida melhorou pois há cura para vários males. Ora, mas se antes morríamos de doenças e de ataques de cobras, hoje nós morremos de bala perdida, estresse, sedentarismo, doenças mentais etc. Se antes as pessoas morriam daquilo, hoje elas morrem disso e elas VÃO CONTINUAR MORRENDO, por mais que as pessoas de crença cristã não queiram se aperceber disso. Dizer que uma época é melhor que a outra só pelo modo como as pessoas morrem é uma falácia argumentativa das mais chulas. Além do que, de que adianta ter uma vida longeva se na maior parte dos casos grande parte do seu tempo é gasto com as novelas da televisão?
Não quero dizer que todas as invenções da humanidade são ruins em princípio. Elas melhoraram bastante nossa qualidade de vida em alguns aspectos. Mas elas em si não constituem evolução nem melhora nas condições de percepção da consciência. Elas permitem que uma transformação positiva na consciência possa acontecer, mas elas em si não são essa evolução, pois constituem nada mais do que um reagrupamento de diversas técnicas e conhecimentos. Cabe lembrar que toda uma possível evolução é da consciência, da mente e dos corações humanos, nunca da materialidade em si mesma, pois ela é um meio e não um fim. Portanto, a complexificação das técnicas e do mundo material jamais representam em si mesmas evolução positiva ou uma transformação nos seres e nas sociedades. Elas no máximo são condições que permitem que essa transformação se processe. Eis aí um limbo conceitual que até mesmo rosacruzes têm escorregado.
Essa introdução é fundamental para pensarmos as sociedades indígenas, que não tinham o grau avançado de técnica que as sociedades brancas desenvolveram.
Este texto começa com a pergunta: – será que os índios eram mesmo tão inferiores? – É o que vou tentar refletir.
Antes de adentrar nesse universo, é preciso esclarecer que não existiam índios na América como um bloco fechado em si mesmo, pois o termo é conceitualmente enganador e política e ideologicamente orientado. A palavra “índio” expressa uma relação de poder.
Os índios eram uma enorme massa multi-cultural que agregava diversas etnias e diversas formas religiosas eram observados entre eles. Também convém deixar claro que haverá mil exceções para o que direi aqui, mas que por serem exceções, confirmam a regra. Não pretendo abarcar todos os tipos de crenças indígenas. Quero apenas suscitar reflexões sobre o quanto algumas dessas crenças estavam ligadas ao misticismo pleno e puro.
Por fim gostaria de dizer que dentro de todas as culturas do mundo haverá os sábios iniciados que entendem a fundo sua cosmogonia e haverá aquelas pessoas que nada entendem sobre suas crenças e mitos e apenas as reproduzem mecanicamente. O fato de a maioria dos indígenas não compreenderem suas crenças da forma como eu as compreendo, não significa que seus mais altos xamãs e pajés compreendessem-nas da mesma forma que a maioria. Eu sei perfeitamente que estarei trabalhando com índios de uma forma muito genérica, apesar de saber que eles compreendem uma multiplicidade de crenças e formas. Portanto, peço desculpas ao leitor se deixarei algum elemento de fora.
Reza a lenda que os homens de pele vermelha vieram do antigo continente da Lemúria e que muitas das suas formas culturais seriam remanescentes desse mundo perdido.
OBS: Há uma lenda também que não posso deixar de registrar. Diz-se que quando as pessoas começaram a colonizar a ilha da Madeira em Portugal eles acharam no topo de uma montanha uma estaca com caracteres estranhos que apontava na direção da América.
Mas por que, afinal, os indígenas são encarados como primitivos? Para responder esta pergunta é preciso olhar alguma de suas formas religiosas e para começar vamos refletir sobre a posição de Deus/ Deusa para estes povos. O divino para os povos da América, ao contrário do Cristianismo, não está no céu, mas em todas as coisas. As pedras eram chamados de “seres-pedra” pelos norte-americanos, pois sentiam que mesmo uma pedra era viva. Os riachos traziam consigo a energia da terra e ali eram realizados diversos rituais. O Sol era glorificado como o grande mantenedor da vida no planeta, a noite possuía seu significado e seu esplendor. Havia rituais para glorificar cada elemento da natureza – o fogo, a terra, a água e o ar. Tudo isso foi tido pela “superior” crença cristã monoteísta como pagã, pois era idolatria. Deus passara a não estar mais nas coisas e nos animais, mas sim em algum lugar no céu e na forma de um macho.
A Divindade indígena estava presente em todas as formas do mundo natural. Particularmente entre os índios norte-americanos, a divindade era uma grande essência que a tudo penetrava.
Vale lembrar que a idéia de divindade personificada num macho com características humanas ela é bem pontual do Ocidente. Entre os indígenas da América do Norte não havia a noção de um Deus Universal e a idéia de um Grande Espírito é falsa. Ela surgiu a partir de uma má tradução feita pelos Ocidentais da cultura indígena para que fosse adaptada aos princípios metafísicos cristãos. O termo original é Grande Mistério – intangível, incriado e sem formas humanas. Alguns dos “primitivos” índios acreditavam num princípio incriado que a tudo penetrava com seu sopro e que constituía um mistério insondável para a mente humana. Só por esse início dá para constatarmos o quão eram primitivas certas concepções nativas.
Seus rituais de glorificação do riacho, do fogo e dos elementos em geral foram atacados como práticas primitivas. Ora. do ponto de vista rosacruz, existem técnicas meditativas que auxiliam o estudante a se harmonizar com a terra, a água, o fogo e o ar. Essa harmonização nos auxilia a nos harmonizarmos com os diferentes elementos da natureza e com suas forças criativas. Os indígenas tinham rituais que pregavam a mesma forma de harmonização. O que os rosacruzes têm racionalizado, eles intuíam. Os primeiros fazem isso por forma de meditação e visualização, os segundos efetuam a harmonização através de rituais, cânticos, danças, roupas e além de um contato direto com esses elementos. Esses rituais e essa forma de harmonização morreu com a chegada do Cristianismo, que atualmente é o maior servidor às forças do Mal no planeta, por ser habilmente manipulado pelos detentores do poder.
Fico me perguntando se essa destruição da divindade das formas do mundo natural em oposição a uma divindade “divina e celeste” digamos assim, não seria responsável pela destruição do meio ambiente e dos habitats naturais. Obviamente a minha resposta é sim.
Aqui também entra uma outra questão que é a relação homem x natureza. A crença cristã, ocidental, européia e heterossexual afirma que o homem é a maior criação de Deus, que ele é superior e que a natureza e os animais foram feitos para servir ao homem. Em outras palavras o homem é o ápice da pirâmide da criação. É evidente que a partir daí temos um processo destrutivo de controle da natureza, do mundo animal e das vidas humanas. O homem pode devastar planícies para colocar shopping centers, pois nas planícies não há “nada”, nas florestas não há “nada” e o que deve ser feito é colocar casas e extrair produtos para dinamizar a economia, pois o meio ambiente foi feito para servir ao homem e o homem é a medida de todas as coisas.
A crença indígena difere substancialmente dessa percepção. O homem não é superior à natureza e tampouco ela foi feita para lhe servir. Ele é parte integrante dela, que é maior que o homem. Nessa concepção o homem é um fio como outro qualquer na teia da vida e não superior. Será que o leitor consegue imaginar as milhares de implicações que tal crença tem na construção das nossas cidades e de nossa relação com o mundo natural? Nessa concepção o homem atua em colaboração com a natureza e roga seus auxílios através de rituais e cânticos, diferentemente do domínio da mesma através da técnica.
Cabe aqui fazer uma ressalva de que não podemos idealizar todos os indígenas. Certamente haveria aqueles que não tinham tais concepções.
Uma pergunta que poderia ser feita é: – Os índios eram defensores da natureza?
Para responder a tal pergunta, é preciso definirmos o que é defensores e o que é natureza. Evidentemente eles não tinham a mesma estrutura de organizações como o Greenpeace ou coisas do gênero. Eles não eram defensores da natureza, pois não havia seu oposto, os agressores da mesma. Eles a defendiam, na medida que era dela que tiravam seu sustento e sua vida. Não poderiam matar toda a floresta ou caçar todos os peixes, pois iriam morrer de fome e não teriam material para construir seus artefatos. Logo, eles “defendiam” a natureza na medida que tinha uma relação de mutualismo com ela, pois viviam no mundo natural.
Obviamente os índios tiravam a floresta e matavam animais, mas em muito menor grau do que as sociedades ocidentais brancas e cristãs. O índios da América do norte caçavam bisões apenas para se alimentarem e utilizavam toda a carne, além de fazer diversos rituais de agradecimento pela vida e perdão ao Grande Espírito por aquela ação. Esses mesmos indígenas muito se impressionaram com alguns esportes do homem branco que consistia em caçar animais por diversão. Na América do norte três milhões de búfalos foram massacrados pelo governo dos Estados Unidos para que acabassem os meios de sustento dos índios.
Quando os índios do norte, particularmente os cheyennes precisavam arrancar uma árvore, eles balançavam-na para que caíssem sementes e pudesse nascer outras. Chegavam à situação de utilizarem madeira morta ou as que estavam caídas no chão para fazerem o fogo. Mesmo entre os yorubás da África, há (ou havia?) a crença de que as árvores tinham alma e havia o maior cuidado e lamentações ao se arrancar uma delas. Os brancos e as superiores crenças cristãs devastam florestas inteiras sem a menor preocupação. É o homem se apropriando da natureza e não mais vivendo uma relação de mutualismo com ela graças à magnífica fé cristã cujo Deus está acima e cuja alma está apenas nos seres-humanos.
Com relação à idéia de Deus, é bem verdade que algumas culturas cultuavam diversos deuses. Mas isso absolutamente não é sinal de inferioridade como pretendem acreditar alguns Rosacruzes. Qualquer iniciado seja ele nos mistérios do misticismo seja ele na psicologia junguiana sabe que os diversos deuses e mitos constituem os arquétipos universais da Consciência humana que tomam forma material em diferentes histórias e em diferentes culturas.
Os múltiplos deuses criados pelo homem provém do Inconsciente dos seres mais espiritualizados das tribos. Eles representam princípios naturais universais e não seres espirituais com formas humanas que cuidam dos humanos, tal como interpretaram os cristãos as crenças do mundo Antigo.
Os deuses das antigas religiões da terra eram princípios e imagens arquetípicas que ao serem invocados produziam determinado efeito na mente humana. Até hoje podemos observar nos cultos africanos a invocação de seus deuses, que são arquétipos ligados ao mar, à força, ao fogo, à androgenia etc. Cada um desses “deuses” encaixava-se numa pessoa e comporia sua personalidade mais profunda no momento daquela encarnação. O deus guardião seria a forma arquetípica que identificaria as pessoas no seu mundo ou na sua egrégora particular.
Evidentemente os indígenas talvez não tivessem o refinamento intelectual que estou colocando, mas eles intuíam isso e vivenciavam essa realidade mais diretamente.do que nós. Quem saiba esses múltiplos deuses dos rios, do Sol, dos animais, não existissem no Plano Astral enquanto criações mentais e não atuassem de fato no objetivo para o qual eram destinados? Às vezes fico me perguntando se nosso excesso de racionalização não foi um dos responsáveis pelo nosso afastamento coletivo da espiritualidade.
O que é engraçado reparar é que ainda hoje existem pessoas que dizem que os nativos eram inferiores porque acreditam num mundo mágico em que seres fantásticos habitavam a floresta e demônios podiam possuir as pessoas. Pois atualmente eu digo que sim, de fato eles eram mágicos. Essa forma inocente de ver o mundo, acreditando de fato nas lendas e nos mitos forma a personalidade psíquica necessária para penetrar no plano espiritual e consequentemente receber por intuição e visões grandes verdades do plano espiritual.
Além disso, fico me perguntando se essas crenças em seres espirituais não seriam falsas apenas para aqueles que se situam em outro plano egregórico. Elas, enquanto criações mentais não são falsas em si, mas tomam vida quando um grupo ou uma nação acredita nelas.
Jung em seu livro “Psicolgoia e religião oriental” afirma que o Ocidental sofre de grandes transtornos psíquicos devido ao fato de que nele inexistem símbolos ou que seus mitos expressam uma realidade de outra cultura e uma realidade morta, como é o caso da Bíblia, que foi um conjunto de mitos feito para um certo povo semítico de uma determinada época (essa última frase foi um grifo meu). A rechaça protestante e evangélica de culto aos símbolos causou uma ruptura entre a mente consciente e a mente inconsciente, pois esta última se comunica com o homem através de símbolos. Ao rechaçar isso, imagine só o quanto o homem ocidental não esteja sofrendo incosncientemente.
Os milhares de símbolos e deuses hindus, indígenas e africanos, interpretados à luz da “sublime tradição cristã”, parecem crendices sem sentido, mas na sua essência, nada mais são do que símbolos provindos do inconsciente daquele povo e são, ou pelo menos eram, vivos para eles. Esses símbolos ilustram princípios universais que nada tem a ver, pelo menos na sua significação esotérica, com crenças pagãs em vários deuses.
Novamente entra o cristianismo na sua proibição de “culto” à imagens e símbolos sobre a acusação de idolatria e paganismo. A multiplicidade de imagens arquetípicas foi destruída pela cultura cristã e não é difícil observar as conseqüências no nível material, psíquico e psicológico disso nas sociedades e nos indivíduos. Todo o escopo de “deuses”, que permitia uma multiplicidade de vivências coletivas foi reduzido a um único mito e a um único símbolo- cristo crucificado e quando muito milhares de imagens da mesma Maria.
Ainda com relação às formas religiosas indígenas, eles não tinham uma religião “revelada”, ou seja, sua religião não era fruto de uma pessoa divina que lhes incluiu numa suposta “luz”. Sua religião provinha da observação dos anciãos da tribo, dos xamãs e pajés e de toda a experiência coletiva. A observação da natureza, do movimento dos astros e dos ciclos naturais era a fonte de seu conhecimento. Sua cultura não era fechada, mas era permeada constantemente por novas práticas, cultos e ritos que se sedimentavam ao longo das eras e que eram fruto de milenares observações. Essa realidade contrasta-se diretamente com as religiões reveladas, em que há uma verdade escrita e fechada. Não precisa dizer que uma verdade única e escrita pelo “próprio Deus” como alguns acreditam, é a fonte de inúmeras formas de intolerância e falsas interpretações. A interpretação dessa Verdade Divina fica a cargo de algum especialista em “leituras da Verdade” – o padre ou o pastor.
A religião indígena ou as religiões da terra permitiam, através de seus rituais, o transe, que nada mais é do que o rompimento do domínio da mente objetiva, para que o inconsciente possa falar. Nesse processo as pessoas passam a ter acesso direto às verdades da Consciência Cósmica que habita dentro de si e partilham-na com toda a tribo. Essa forma religiosa “primitiva”, não só permite um acesso direto com o inconsciente, como também não deixa margens à manipulação da palavra escrita de algum suposto Deus. É de se esperar que essas crenças seriam as primeiras a serem combatidas pelo cristianismo, pois impedir que o individuo tenha acesso aos símbolos da mente subconsciente é ter controle sobre sua vida. Impedir que os indivíduos acessem a Sabedoria divina através de si próprio é fazer com que ele caia na esfera de influência de um padre, “douto” em interpretar a palavra do Deus escrito.
Com as religiões reveladas, adveio a manipulação da idéia de Deus a partir da leitura que melhor conviesse do que estava escrito. É engraçado ver alguns conselhos de Igrejas se reunindo para decidir qual vai ser a postura teológica mundial sobre o aborto, a homossexualidade, sobre as prostituas etc… As pessoas se reúnem numa sala ou num escritório para saber qual vai ser a postura de Deus acerca desse ou daquele tema. É de uma ingenuidade metafísica ímpar. Tem coisas que só o cristianismo faz para você.
O problema das religiões reveladas é que todo novo conhecimento tem que estar adaptado à verdade escrita pelo homem divino que a inspirou – seja ele Maomé, Jesus ou Moisés. Claro que tudo o que foge disso será rechaçado e novamente temos fonte de bloqueio no caminha e de intolerância. O que era apenas um guia para quem conviesse, passou a ser uma verdade imposta a ferro e fogo a outros milhares.
A sabedoria dos índios não era fechada tal como a das religiões que chamamos ou que chamam a si mesmas de reveladas. Ele se construía e reconstruía constantemente e sua relação com o Divina era de ordem infinitamente diferente daquela em que pseudo-doutos se reúnem em algum lugar para discutir qual a opinião que Deus tem sobre certos temas.
Outra crença indígena que sempre foi muito mal compreendida é a dos espíritos da natureza. Certa vez eu estava conversando com uma amiga índia e conversávamos sobre a violência nos morros no Rio de Janeiro ela falou que os espíritos que habitavam aqueles morros deviam estar sendo incomodados e por isso a violência. De acordo com a minha formação rosacruz, o primeiro impulso foi o de rechaçar essa idéia, pois não costumamos fazer alusão a elementais e nem a espíritos da natureza que exercem força dobre os seres-humanos.
Mas se formos analisar por outro aspecto, o que poderiam ser esses espíritos da natureza que os índios se referiam? Em primeiro lugar poderia ser a memória cósmica de todos os seres que ali viveram. Em segundo lugar, a crença de que a terra, as montanhas, os mares e os ventos são vivos não é tão “primitiva” assim. Essas coisas são vivas e pensam à sua maneira. Toda Terra é um organismo vivo que reage quando é ferido. Todos estamos percebendo isso. Talvez não reaja de forma tão sistemática e tão rápida quanto gostaríamos, mas ela reage, ela vive, a terra pulsa com seus “espíritos” que na verdade é todo o espírito da Terra e nisso inclui-se a alma das montanhas, do fogo, dos mares, das cavernas, dos animais, das plantas e de todos os seres que aqui habitam ou habitavam. Os índios pressentiam tal “espírito” universal e que cada lugar sagrado do planeta era habitado por “muitos espíritos”, logo rendiam o maior respeito às formas do mundo natural.
Ao adentrarmos nesse assunto, é preciso também ressaltar a idéia que os nativos tinham de doença como a influência de maus espíritos que tomam posse do corpo da pessoa. Ora para mim essa crença não tem nada de primitiva. Se interpretarmos os maus espíritos como pensamentos ruins que retemos dentro da gente e que causa um desequilíbrio em nosso corpo, essa crença é perfeitamente natural. Se interpretarmos os maus espíritos como influências negativas que recebemos do nosso ambiente exterior, não há nada de primitivo nisso.
Se interpretarmos os maus espíritos como uma forma intuída e simbólica para identificar vírus e bactérias, coisas que os índios não tinham como perceber, mas intuíam ser verdade, temos aí um exemplo de como eles estavam coletivamente harmonizados com o Cósmico.
Ainda me pergunto se não destruímos essas crenças quando as traduzimos para a linguagem dos brancos. Será que a concepção que eles tinham de espíritos e deuses eram as mesmas que as nossas?Por falar em linguagem, os índios de maneira geral não possuíam linguagem escrita. Nada jamais fora escrito. Seus rituais eram guardados na memória de seu povo e por não estarem escritos, não estavam sujeitos à falsas interpretações ou a interpretações múltiplas como ocorre com determinadas religiões. A palavra escrita perde muito de seu poder, bem sabem os iniciados. A palavra falada vibra e gera vibração. Esse poder nativo foi visto como indicio de que os indios não tinham história, pois a história começa com a escrita. Olhem só o arsenal de mentiras e falsas idéias que os brancos jogaram nas culturas indígenas.
Muitos dos rituais indígenas tinham alto valor psicológico. O que a gente racionaliza e supostamente compreende, eles vivenciavam diretamente. Havia um ritual de máscaras dos navajo em que alguns vestiam máscaras medonhas e outros vestiam máscaras de seres do bem e ambos confrontavam o candidato. Os rosacruzes bem sabem o simbolismo da máscara. Os índios numa região longínqua longe de todo o intelectualismo Ocidental já pressentiam certas verdades iniciáticas belíssimas.
Entre os xavantes há (ou havia) um ritual cíclico em que os homens vestem roupas de mulher e as mulheres vestem roupas de homens, atentando para o equilíbrio psicológico que todos devemos ter dentro da gente na vivência como homem e como mulher (não em nossas encarnações globais, mas na nossa vida atual).
São rituais elaborados na antiguidade do tempo e que foram construídos ou pela Tradição lemuriana ou foram intuídos através das viagens mentais de seus xamãs e pajés.
Uma outra crítica que é feita aos índios é com relação às suas crenças mágicas. A magia “primitiva” se divide em dois tipos: a magia por contato e a magia por semelhança. A primeira é aquela em que o curandeiro ou o guerreiro usa como adorno algum elemento de um animal ou de planta que acredita ter um poder para que ele possa ter os mesmos poderes do símbolo que se identifica. Em outras palavras, a magia por contato é quando alguns guerreiros usam dentes de leão como colar para simbolizar a coragem do animal ou ainda penas de alguma ave que voe alto para simbolizar a consciência do xamã que deve alçar vôos distantes.
Engraçado como essa crença é tida como uma forma primitiva de magia. Do ponto de vista rosacruz, sabemos que podemos enviar sugestões a nosso subconsciente para que adquiramos determinadas qualidades que queremos ver em nós. Consiste em dar ordens à nossa mente ou criamos imagens mentais que ficarão alojadas em nosso subconsciente e fará com que desenvolvamos determinadas habilidades. Ora, isso é exatamente como funciona a magia por contato através de talismãs e símbolos mágicos. Não que essas coisas tenham poder por si mesmas, mas funcionam na sua estreita relação com o subconsciente através da criação de imagens mentais e sugestões. (eu ainda me pergunto se esses talismãs e adornos não teriam poder como símbolos pessoais). Essa crença foi amplamente vista como supersticiosa.
A segunda forma de magia, talvez a mais criticada de todas foi a magia por semelhança, que é aquela que busca realizar atos semelhantes à natureza para buscarem auxílio das forças naturais ou dos deuses, que como já disse, podem ser tanto princípios universais arquetípicos quanto seres mentais criados dentro de uma egrégora particular – em ambos os casos eles não são uma falsa crença em absoluto.
Para exemplificarmos melhor, se algum índio quisesse que a chuva viesses, eles faziam a dança das chuvas para que interferissem junto ao deus das chuvas. Há ainda a dança da boa colheita etc. Independente da validade desses conceitos, eles ilustram antes de tudo um trabalhar em conjunto com as forças do mundo natural, que eles sentiam que eram predominantes. É bem diferente em arranjar uma técnica para controlar as forças do mundo natural. Nesse segundo caso o homem está superior às forças da natureza, no segundo caso ele age em colaboração com elas, rogando sua força e suas aspirações. Engraçado é que esta crença é tida como primitiva, mas ela não desapareceu em absoluto. A oração cristã a um Deus que lhes dá carinho, amor, que te segura nos momentos difíceis e que para alguns dá até carro e casa, nada mais é do que uma forma de interceder junto a um ser celestial, possuem uma base metafísica de intercessão ao divino exatamente igual à dos indígenas, embora sua forma ritualística seja diferente.
Há também formas de magia desse tipo que não são propriamente nativas da América, que é o caso dos vodus trazidos pelos negros africanos.
A magia por semelhança é adotar uma forma material semelhante ao objetivo mágico que se quer atingir.
Até a própria psicologia ataca as sociedades indígenas. O conceito Junguiano de individuação, que é tido como parte de um processo de evolução e desenvolvimento, define, de modo geral, que o derradeiro processo de desenvolvimento psicológico do indivíduo começa quando ele vai para a cidade. Até então as pessoas tinham uma identidade coletiva, tribal e de grupo, em que o indivíduo não podia desenvolver suas potencialidades pois estava ligado à tribo, e eram uma consciência conjunta.
Essa idéia, além de idiota, trata as sociedades tribais como se fosse um entrave à evolução, além de colocar a vivência com o mundo natural como algo que não permita o desenvolvimento da consciência.
Fico espantado como tal idéia encontra escopo mesmo entre os mais renomados psicólogos Junguianos. A vida tribal e coletiva dos indígenas é infinitamente superior ao individualismo exacerbado das cidades, em que o indivíduo pode “desenvolver suas potencialidades”. Nas tribos cada membro tinha seu papel específico. As pessoas que nasciam com tendências ao xamanismo, iam ser xamãs, às que nasciam com tendências à medicina ia ser medicine man, as que nasciam com tendências guerreiras, iam ser guerreiros. Enfim, a tribo era como se fosse um imenso organismo vivo com cada um cumprindo suas partes.
Em nossas sociedades modernas, os indivíduos são uma massa informe, sem ninguém saber qual seu papel dentro de tudo, uma massa de desempregados ou de trabalhadores apáticos, que trabalham não de acordo com suas aspirações interiores, mas pela força da necessidade de sobrevivência, às vezes até 12 horas por dia. Não há a vida coletiva e comunitária, mas a vida divide-se em extremos. Ou há uma massa de fofoqueiros querendo saber da infelicidade e intimidades de outros ou uma massa de pessoas indiferentes às outras. A tribo era uma força coletiva, uma verdadeira nação em que todos se reconheciam como membros de um organismo maior. Nossa como essa crença era primitiva!!!
Por fim, termino o texto com as colocações iniciais – por que os índios não se desenvolveram materialmente tanto como os brancos, chineses e japoneses. Com certeza não é pelo fato de que os índios são burros e os brancos são inteligentes. O desenvolvimento da técnica material não é fruto de habilidades raciais, tal como pretendem os adeptos do darwinismo e nem de inteligência de uns povos. Ele é, assim como as crenças religiosas, fruto de construções e necessidades sociais.
Na Europa, quando os nobres pegavam para si áreas comuns de florestas e pântanos, isso impedia que milhares de camponeses e trabalhadores tivessem acesso a alimentos. Isso provavelmente impulsionou o desenvolvimento de técnicas que permitiam uma maior produção agrícola – o arado. Na China, a disputa entre vários exércitos e a disputa pelo controle do território provavelmente foram as condições que permitiram o desenvolvimento de armas baseadas na pólvora. Em Roma, a necessidades de enriquecer dos latifundiários a partir da venda de produtos, fez com que se desenvolvessem formas de transporte mais eficientes. O que quero dizer é que são necessidades sociais que levam ao desenvolvimento de uma técnica e não leis naturais em que um povo é mais inteligente do que o outro.
Se os índios não tinham diversas tecnologias européias, é porque seu mundo não lhes dava a necessidade de tais coisas e não porque eles eram “burros” e preguiçosos, tal como pretende colocar os historiadores da direita. Num mundo em que abundava a caça e os alimentos porque nenhum miserável havia cercado porções enormes de terra, não havia porque os índios desenvolverem determinadas formas de tecnologia. Num mundo sem reis absolutos, com vida coletiva e tribal, não havia porque ter burocracia, impostos etc. Se eles não tinham Estado, é porque não precisavam disso (aqui eu me refiro aos índios norte-americanos e brasileiros). Seu poder era regulado entre si. Se não tinham leis escritas nem códigos extensos de Direito, é porque não precisavam de palavra escrita para distinguir e saber o que é certo e o que é errado. Entre os nativos da América do Norte, não havia contratos em papel. A palavra de um índio era a garantia de que um acordo seria cumprido.
Poderia ficar elencando diversos elementos do “primitivismo” indígena. A inexistência da propriedade privada e a própria inexistência da noção de “isso é meu” e “isso é seu” é um ponto extremamente positivo e garanto que nós não teríamos metade dos problemas nas nossas sociedades se não fosse a propriedade privada. Aliás, a própria noção de roubo e assalto provém da noção de propriedade.
Certa vez eu estava na faculdade e minha professora de Educação disse como era difícil trabalhar com índios porque ao chegar nas aldeias, eles pegavam a câmera dos cinegrafistas, o cadernos dos professores e usavam. Ora, a inexistência da propriedade privada consiste em passar o uso dos objetos quando acabarmos de usá-los. Na “primitiva” mentalidade do índio, se a professora não estava usando a câmera, ele podia pegá-la.
A propriedade privada tirou a sacralidade dos lugares, pois o que antes era possível ir até lá e cultuar, agora era propriedade de alguém. Os campos em que se podiam circular livremente, agora viravam campos de milho propriedade de algum porco gordo engordando com lucros exorbitantes e ajudando no crescimento do país (a própria idéia de país e Estado com suas divisões de classe é bastante Ocidental). A propriedade privada da Terra inexistia ao menos entre índios norte-americanos e do Brasil. Na América Hispânica existia o usufruto da terra, que é bem diferente de propriedade.
A divisão dos sexos era mais fluída. Em diversas sociedades havia três sexos, homens, mulheres e seres que congregavam tanto o masculino quanto o feminino. Era muito mais justa e humana essa forma de divisão.
A abundância de recursos fazia com que inexistisse a idéia de dinheiro e consequentemente todos os infinitos males que advém da mesma. Aliás, o dinheiro e a necessidade do mesmo para a sobrevivência é a pior experiência que a humanidade está vivendo atualmente. Como lembrou bem o Imperator da Ordem Rosacruz AMORC em seu 4º Manifesto, o dinheiro é um meio de troca. Hoje as pessoas vivem para trabalhar e não mais trabalham para viver.
Acho que consegui com esses poucos exemplos sinalizar alguns pontos das sociedades indígenas que em nada tinham de primitivos. Antes de tudo eram ideais de ética e de relação com a terra profundamente espiritualizados. Cada membro da tribo tinha seu papel. A terra não era propriedade de uma pessoa, mas antes de tudo era o chão em que todos os seres pisavam e viviam, logo não podia ser cercada.
Sua religião era fluída, provinha da sabedoria da observação e da intuição e não de uma “verdade” supostamente revelada. Seus deuses arquetípicos davam força a seu povo. Suas formas de entrar em contato com o subconsciente eram múltiplas e poderosas. Evidentemente tais sociedades tinham muitos problemas e dificuldades, mas nada comparável à quantidade de problemas ambientais, políticos, sociais, econômicos, religiosos e culturais que estamos tendo atualmente em nossas “avanças” sociedades.
O grande problema é que a direita cristã branca ocidental se apropriou da escrita da história e de seus valores intrínsecos. Em qualquer livro de história vemos que a humanidade “evoluiu” quando deixamos de ser caçadores e coletores. Como assim cara pálida? Os índios da norte-américa eram caçadores e coletores e sua sabedoria era de embasbacar qualquer místico Ocidental.
Há uma lenda que esses povos contam dizendo que os homens começaram a caçar os animais e os animais começaram a ficar furiosos. Eles então decidiram se vingar dos homens pois cada animal caçado iria assombrar os homens com um espírito e dar-lhes uma doença. Foi então que as plantas decidiram se unir para ajudar os homens e começaram a nascer plantas medicinais que curavam as doenças que os animais causavam.
Independente da “validade” dessas histórias, elas dão um sentido à vida, um sentido ao mundo. Elas trazem vida aos animais, às plantas e colocam todos os seres se relacionando. Elas dão o colorido ao mundo. Essa sabedoria através de mitos intuitivos não precisa ser “verdadeira” do ponto de vista do fato real. Pouco importa se as plantas se uniram com esse objetivo, o que importa é que determinado povo construiu com seu coração um sentido para o mundo em que habitava. E como esta, há milhares de outras histórias, cada uma mais linda que a outra. Caberá ao pesquisador procurar.
Quando os cristãos invadiram as terras indígenas e destruíram toda aquela cultura sobre o argumento de paganismo, foi o maior e mais poderoso ataque das forças do Mal no planeta. Os milhares de livros astecas foram queimados em praça pública pois eram livros do demônio. Os cristãos sempre estiveram a serviço do Diabo sem saberem. As terras sagradas dos índios norte-americanos foram exauridas, os búfalos mortos e os campos transformados em fábricas, os rios secados para uso na indústria auto-mobilística. Todo o mundo natural deixava de ser sagrado, pois Deus passava a ficar no céu.
Espero que estas palavras tenham feito os estudantes de misticismo latino-americanos a refletirem sobre sua herança indígena e sobre o profundo amor que eles nutriam por essas terras e pelas formas do mundo natural.
As sociedades ocidentais trabalham com um tempo escatológico com começo, meio e fim, pois quando Deus criou o mundo houve um início e haverá o juízo final. Nas sociedades orientais o tempo é cíclico e inexiste pelo menos tão arraigada a idéia de evolução como um continuum que só se move para frente. Aliás, muito pelo contrário, pois o conceito de ciclos universais permite a idéia de um retorno ou um período negativo – o conceito hindu do Kali Yuga expressa bem essa idéia, pois o ciclo tem períodos de subida e descida. As coisas são cíclicas e como tal têm começo, meio e fim, mas que esse fim inicia um novo ciclo. Além disso, o tempo incriado dessas sociedades não permite um ponto de partida. Dentro da concepção ocidental, mesmo com a idéia do juízo final, predomina a concepção de que a humanidade caminha para frente apenas e todo o desenvolvimento da tecnologia ilustra isso.
A discussão sobre a idéia de evolução traz à tona o debate sobre crenças primitivas, aquelas que não evoluíram ou aquelas que existiam antes de “evoluirmos” para crenças mais avançadas. Assim foi toda a conversão do cristianismo na Europa, que se dizia superior por uma crença monoteísta em detrimento do politeísmo presente em sua época. Com base na argumentação de paganismo, de culto aos elementos da natureza, culturas inteiras foram dizimadas. Uma dessas culturas foi a dos nativos de toda a América.
O próprio misticismo Ocidental encarna essa concepção de que o que havia na América antes da chegada do “monoteísmo” sublime e salvador, eram crenças supersticiosas de vários deuses, magias, encantamento e formas horrendas de sacrifícios humanos, como se os índios fossem verdadeiros animais.
Para além da questão religiosa, a idéia de evolução que tem permeado o Ocidente gira em torno também do avanço da técnica como pilar do desenvolvimento da humanidade. Os defensores da direita, liberais e neo-liberais, afirmam que nós evoluímos porque antigamente as pessoas morriam de várias doenças, de ataques de animais e que hoje nossa vida melhorou pois há cura para vários males. Ora, mas se antes morríamos de doenças e de ataques de cobras, hoje nós morremos de bala perdida, estresse, sedentarismo, doenças mentais etc. Se antes as pessoas morriam daquilo, hoje elas morrem disso e elas VÃO CONTINUAR MORRENDO, por mais que as pessoas de crença cristã não queiram se aperceber disso. Dizer que uma época é melhor que a outra só pelo modo como as pessoas morrem é uma falácia argumentativa das mais chulas. Além do que, de que adianta ter uma vida longeva se na maior parte dos casos grande parte do seu tempo é gasto com as novelas da televisão?
Não quero dizer que todas as invenções da humanidade são ruins em princípio. Elas melhoraram bastante nossa qualidade de vida em alguns aspectos. Mas elas em si não constituem evolução nem melhora nas condições de percepção da consciência. Elas permitem que uma transformação positiva na consciência possa acontecer, mas elas em si não são essa evolução, pois constituem nada mais do que um reagrupamento de diversas técnicas e conhecimentos. Cabe lembrar que toda uma possível evolução é da consciência, da mente e dos corações humanos, nunca da materialidade em si mesma, pois ela é um meio e não um fim. Portanto, a complexificação das técnicas e do mundo material jamais representam em si mesmas evolução positiva ou uma transformação nos seres e nas sociedades. Elas no máximo são condições que permitem que essa transformação se processe. Eis aí um limbo conceitual que até mesmo rosacruzes têm escorregado.
Essa introdução é fundamental para pensarmos as sociedades indígenas, que não tinham o grau avançado de técnica que as sociedades brancas desenvolveram.
Este texto começa com a pergunta: – será que os índios eram mesmo tão inferiores? – É o que vou tentar refletir.
Antes de adentrar nesse universo, é preciso esclarecer que não existiam índios na América como um bloco fechado em si mesmo, pois o termo é conceitualmente enganador e política e ideologicamente orientado. A palavra “índio” expressa uma relação de poder.
Os índios eram uma enorme massa multi-cultural que agregava diversas etnias e diversas formas religiosas eram observados entre eles. Também convém deixar claro que haverá mil exceções para o que direi aqui, mas que por serem exceções, confirmam a regra. Não pretendo abarcar todos os tipos de crenças indígenas. Quero apenas suscitar reflexões sobre o quanto algumas dessas crenças estavam ligadas ao misticismo pleno e puro.
Por fim gostaria de dizer que dentro de todas as culturas do mundo haverá os sábios iniciados que entendem a fundo sua cosmogonia e haverá aquelas pessoas que nada entendem sobre suas crenças e mitos e apenas as reproduzem mecanicamente. O fato de a maioria dos indígenas não compreenderem suas crenças da forma como eu as compreendo, não significa que seus mais altos xamãs e pajés compreendessem-nas da mesma forma que a maioria. Eu sei perfeitamente que estarei trabalhando com índios de uma forma muito genérica, apesar de saber que eles compreendem uma multiplicidade de crenças e formas. Portanto, peço desculpas ao leitor se deixarei algum elemento de fora.
Reza a lenda que os homens de pele vermelha vieram do antigo continente da Lemúria e que muitas das suas formas culturais seriam remanescentes desse mundo perdido.
OBS: Há uma lenda também que não posso deixar de registrar. Diz-se que quando as pessoas começaram a colonizar a ilha da Madeira em Portugal eles acharam no topo de uma montanha uma estaca com caracteres estranhos que apontava na direção da América.
Mas por que, afinal, os indígenas são encarados como primitivos? Para responder esta pergunta é preciso olhar alguma de suas formas religiosas e para começar vamos refletir sobre a posição de Deus/ Deusa para estes povos. O divino para os povos da América, ao contrário do Cristianismo, não está no céu, mas em todas as coisas. As pedras eram chamados de “seres-pedra” pelos norte-americanos, pois sentiam que mesmo uma pedra era viva. Os riachos traziam consigo a energia da terra e ali eram realizados diversos rituais. O Sol era glorificado como o grande mantenedor da vida no planeta, a noite possuía seu significado e seu esplendor. Havia rituais para glorificar cada elemento da natureza – o fogo, a terra, a água e o ar. Tudo isso foi tido pela “superior” crença cristã monoteísta como pagã, pois era idolatria. Deus passara a não estar mais nas coisas e nos animais, mas sim em algum lugar no céu e na forma de um macho.
A Divindade indígena estava presente em todas as formas do mundo natural. Particularmente entre os índios norte-americanos, a divindade era uma grande essência que a tudo penetrava.
Vale lembrar que a idéia de divindade personificada num macho com características humanas ela é bem pontual do Ocidente. Entre os indígenas da América do Norte não havia a noção de um Deus Universal e a idéia de um Grande Espírito é falsa. Ela surgiu a partir de uma má tradução feita pelos Ocidentais da cultura indígena para que fosse adaptada aos princípios metafísicos cristãos. O termo original é Grande Mistério – intangível, incriado e sem formas humanas. Alguns dos “primitivos” índios acreditavam num princípio incriado que a tudo penetrava com seu sopro e que constituía um mistério insondável para a mente humana. Só por esse início dá para constatarmos o quão eram primitivas certas concepções nativas.
Seus rituais de glorificação do riacho, do fogo e dos elementos em geral foram atacados como práticas primitivas. Ora. do ponto de vista rosacruz, existem técnicas meditativas que auxiliam o estudante a se harmonizar com a terra, a água, o fogo e o ar. Essa harmonização nos auxilia a nos harmonizarmos com os diferentes elementos da natureza e com suas forças criativas. Os indígenas tinham rituais que pregavam a mesma forma de harmonização. O que os rosacruzes têm racionalizado, eles intuíam. Os primeiros fazem isso por forma de meditação e visualização, os segundos efetuam a harmonização através de rituais, cânticos, danças, roupas e além de um contato direto com esses elementos. Esses rituais e essa forma de harmonização morreu com a chegada do Cristianismo, que atualmente é o maior servidor às forças do Mal no planeta, por ser habilmente manipulado pelos detentores do poder.
Fico me perguntando se essa destruição da divindade das formas do mundo natural em oposição a uma divindade “divina e celeste” digamos assim, não seria responsável pela destruição do meio ambiente e dos habitats naturais. Obviamente a minha resposta é sim.
Aqui também entra uma outra questão que é a relação homem x natureza. A crença cristã, ocidental, européia e heterossexual afirma que o homem é a maior criação de Deus, que ele é superior e que a natureza e os animais foram feitos para servir ao homem. Em outras palavras o homem é o ápice da pirâmide da criação. É evidente que a partir daí temos um processo destrutivo de controle da natureza, do mundo animal e das vidas humanas. O homem pode devastar planícies para colocar shopping centers, pois nas planícies não há “nada”, nas florestas não há “nada” e o que deve ser feito é colocar casas e extrair produtos para dinamizar a economia, pois o meio ambiente foi feito para servir ao homem e o homem é a medida de todas as coisas.
A crença indígena difere substancialmente dessa percepção. O homem não é superior à natureza e tampouco ela foi feita para lhe servir. Ele é parte integrante dela, que é maior que o homem. Nessa concepção o homem é um fio como outro qualquer na teia da vida e não superior. Será que o leitor consegue imaginar as milhares de implicações que tal crença tem na construção das nossas cidades e de nossa relação com o mundo natural? Nessa concepção o homem atua em colaboração com a natureza e roga seus auxílios através de rituais e cânticos, diferentemente do domínio da mesma através da técnica.
Cabe aqui fazer uma ressalva de que não podemos idealizar todos os indígenas. Certamente haveria aqueles que não tinham tais concepções.
Uma pergunta que poderia ser feita é: – Os índios eram defensores da natureza?
Para responder a tal pergunta, é preciso definirmos o que é defensores e o que é natureza. Evidentemente eles não tinham a mesma estrutura de organizações como o Greenpeace ou coisas do gênero. Eles não eram defensores da natureza, pois não havia seu oposto, os agressores da mesma. Eles a defendiam, na medida que era dela que tiravam seu sustento e sua vida. Não poderiam matar toda a floresta ou caçar todos os peixes, pois iriam morrer de fome e não teriam material para construir seus artefatos. Logo, eles “defendiam” a natureza na medida que tinha uma relação de mutualismo com ela, pois viviam no mundo natural.
Obviamente os índios tiravam a floresta e matavam animais, mas em muito menor grau do que as sociedades ocidentais brancas e cristãs. O índios da América do norte caçavam bisões apenas para se alimentarem e utilizavam toda a carne, além de fazer diversos rituais de agradecimento pela vida e perdão ao Grande Espírito por aquela ação. Esses mesmos indígenas muito se impressionaram com alguns esportes do homem branco que consistia em caçar animais por diversão. Na América do norte três milhões de búfalos foram massacrados pelo governo dos Estados Unidos para que acabassem os meios de sustento dos índios.
Quando os índios do norte, particularmente os cheyennes precisavam arrancar uma árvore, eles balançavam-na para que caíssem sementes e pudesse nascer outras. Chegavam à situação de utilizarem madeira morta ou as que estavam caídas no chão para fazerem o fogo. Mesmo entre os yorubás da África, há (ou havia?) a crença de que as árvores tinham alma e havia o maior cuidado e lamentações ao se arrancar uma delas. Os brancos e as superiores crenças cristãs devastam florestas inteiras sem a menor preocupação. É o homem se apropriando da natureza e não mais vivendo uma relação de mutualismo com ela graças à magnífica fé cristã cujo Deus está acima e cuja alma está apenas nos seres-humanos.
Com relação à idéia de Deus, é bem verdade que algumas culturas cultuavam diversos deuses. Mas isso absolutamente não é sinal de inferioridade como pretendem acreditar alguns Rosacruzes. Qualquer iniciado seja ele nos mistérios do misticismo seja ele na psicologia junguiana sabe que os diversos deuses e mitos constituem os arquétipos universais da Consciência humana que tomam forma material em diferentes histórias e em diferentes culturas.
Os múltiplos deuses criados pelo homem provém do Inconsciente dos seres mais espiritualizados das tribos. Eles representam princípios naturais universais e não seres espirituais com formas humanas que cuidam dos humanos, tal como interpretaram os cristãos as crenças do mundo Antigo.
Os deuses das antigas religiões da terra eram princípios e imagens arquetípicas que ao serem invocados produziam determinado efeito na mente humana. Até hoje podemos observar nos cultos africanos a invocação de seus deuses, que são arquétipos ligados ao mar, à força, ao fogo, à androgenia etc. Cada um desses “deuses” encaixava-se numa pessoa e comporia sua personalidade mais profunda no momento daquela encarnação. O deus guardião seria a forma arquetípica que identificaria as pessoas no seu mundo ou na sua egrégora particular.
Evidentemente os indígenas talvez não tivessem o refinamento intelectual que estou colocando, mas eles intuíam isso e vivenciavam essa realidade mais diretamente.do que nós. Quem saiba esses múltiplos deuses dos rios, do Sol, dos animais, não existissem no Plano Astral enquanto criações mentais e não atuassem de fato no objetivo para o qual eram destinados? Às vezes fico me perguntando se nosso excesso de racionalização não foi um dos responsáveis pelo nosso afastamento coletivo da espiritualidade.
O que é engraçado reparar é que ainda hoje existem pessoas que dizem que os nativos eram inferiores porque acreditam num mundo mágico em que seres fantásticos habitavam a floresta e demônios podiam possuir as pessoas. Pois atualmente eu digo que sim, de fato eles eram mágicos. Essa forma inocente de ver o mundo, acreditando de fato nas lendas e nos mitos forma a personalidade psíquica necessária para penetrar no plano espiritual e consequentemente receber por intuição e visões grandes verdades do plano espiritual.
Além disso, fico me perguntando se essas crenças em seres espirituais não seriam falsas apenas para aqueles que se situam em outro plano egregórico. Elas, enquanto criações mentais não são falsas em si, mas tomam vida quando um grupo ou uma nação acredita nelas.
Jung em seu livro “Psicolgoia e religião oriental” afirma que o Ocidental sofre de grandes transtornos psíquicos devido ao fato de que nele inexistem símbolos ou que seus mitos expressam uma realidade de outra cultura e uma realidade morta, como é o caso da Bíblia, que foi um conjunto de mitos feito para um certo povo semítico de uma determinada época (essa última frase foi um grifo meu). A rechaça protestante e evangélica de culto aos símbolos causou uma ruptura entre a mente consciente e a mente inconsciente, pois esta última se comunica com o homem através de símbolos. Ao rechaçar isso, imagine só o quanto o homem ocidental não esteja sofrendo incosncientemente.
Os milhares de símbolos e deuses hindus, indígenas e africanos, interpretados à luz da “sublime tradição cristã”, parecem crendices sem sentido, mas na sua essência, nada mais são do que símbolos provindos do inconsciente daquele povo e são, ou pelo menos eram, vivos para eles. Esses símbolos ilustram princípios universais que nada tem a ver, pelo menos na sua significação esotérica, com crenças pagãs em vários deuses.
Novamente entra o cristianismo na sua proibição de “culto” à imagens e símbolos sobre a acusação de idolatria e paganismo. A multiplicidade de imagens arquetípicas foi destruída pela cultura cristã e não é difícil observar as conseqüências no nível material, psíquico e psicológico disso nas sociedades e nos indivíduos. Todo o escopo de “deuses”, que permitia uma multiplicidade de vivências coletivas foi reduzido a um único mito e a um único símbolo- cristo crucificado e quando muito milhares de imagens da mesma Maria.
Ainda com relação às formas religiosas indígenas, eles não tinham uma religião “revelada”, ou seja, sua religião não era fruto de uma pessoa divina que lhes incluiu numa suposta “luz”. Sua religião provinha da observação dos anciãos da tribo, dos xamãs e pajés e de toda a experiência coletiva. A observação da natureza, do movimento dos astros e dos ciclos naturais era a fonte de seu conhecimento. Sua cultura não era fechada, mas era permeada constantemente por novas práticas, cultos e ritos que se sedimentavam ao longo das eras e que eram fruto de milenares observações. Essa realidade contrasta-se diretamente com as religiões reveladas, em que há uma verdade escrita e fechada. Não precisa dizer que uma verdade única e escrita pelo “próprio Deus” como alguns acreditam, é a fonte de inúmeras formas de intolerância e falsas interpretações. A interpretação dessa Verdade Divina fica a cargo de algum especialista em “leituras da Verdade” – o padre ou o pastor.
A religião indígena ou as religiões da terra permitiam, através de seus rituais, o transe, que nada mais é do que o rompimento do domínio da mente objetiva, para que o inconsciente possa falar. Nesse processo as pessoas passam a ter acesso direto às verdades da Consciência Cósmica que habita dentro de si e partilham-na com toda a tribo. Essa forma religiosa “primitiva”, não só permite um acesso direto com o inconsciente, como também não deixa margens à manipulação da palavra escrita de algum suposto Deus. É de se esperar que essas crenças seriam as primeiras a serem combatidas pelo cristianismo, pois impedir que o individuo tenha acesso aos símbolos da mente subconsciente é ter controle sobre sua vida. Impedir que os indivíduos acessem a Sabedoria divina através de si próprio é fazer com que ele caia na esfera de influência de um padre, “douto” em interpretar a palavra do Deus escrito.
Com as religiões reveladas, adveio a manipulação da idéia de Deus a partir da leitura que melhor conviesse do que estava escrito. É engraçado ver alguns conselhos de Igrejas se reunindo para decidir qual vai ser a postura teológica mundial sobre o aborto, a homossexualidade, sobre as prostituas etc… As pessoas se reúnem numa sala ou num escritório para saber qual vai ser a postura de Deus acerca desse ou daquele tema. É de uma ingenuidade metafísica ímpar. Tem coisas que só o cristianismo faz para você.
O problema das religiões reveladas é que todo novo conhecimento tem que estar adaptado à verdade escrita pelo homem divino que a inspirou – seja ele Maomé, Jesus ou Moisés. Claro que tudo o que foge disso será rechaçado e novamente temos fonte de bloqueio no caminha e de intolerância. O que era apenas um guia para quem conviesse, passou a ser uma verdade imposta a ferro e fogo a outros milhares.
A sabedoria dos índios não era fechada tal como a das religiões que chamamos ou que chamam a si mesmas de reveladas. Ele se construía e reconstruía constantemente e sua relação com o Divina era de ordem infinitamente diferente daquela em que pseudo-doutos se reúnem em algum lugar para discutir qual a opinião que Deus tem sobre certos temas.
Outra crença indígena que sempre foi muito mal compreendida é a dos espíritos da natureza. Certa vez eu estava conversando com uma amiga índia e conversávamos sobre a violência nos morros no Rio de Janeiro ela falou que os espíritos que habitavam aqueles morros deviam estar sendo incomodados e por isso a violência. De acordo com a minha formação rosacruz, o primeiro impulso foi o de rechaçar essa idéia, pois não costumamos fazer alusão a elementais e nem a espíritos da natureza que exercem força dobre os seres-humanos.
Mas se formos analisar por outro aspecto, o que poderiam ser esses espíritos da natureza que os índios se referiam? Em primeiro lugar poderia ser a memória cósmica de todos os seres que ali viveram. Em segundo lugar, a crença de que a terra, as montanhas, os mares e os ventos são vivos não é tão “primitiva” assim. Essas coisas são vivas e pensam à sua maneira. Toda Terra é um organismo vivo que reage quando é ferido. Todos estamos percebendo isso. Talvez não reaja de forma tão sistemática e tão rápida quanto gostaríamos, mas ela reage, ela vive, a terra pulsa com seus “espíritos” que na verdade é todo o espírito da Terra e nisso inclui-se a alma das montanhas, do fogo, dos mares, das cavernas, dos animais, das plantas e de todos os seres que aqui habitam ou habitavam. Os índios pressentiam tal “espírito” universal e que cada lugar sagrado do planeta era habitado por “muitos espíritos”, logo rendiam o maior respeito às formas do mundo natural.
Ao adentrarmos nesse assunto, é preciso também ressaltar a idéia que os nativos tinham de doença como a influência de maus espíritos que tomam posse do corpo da pessoa. Ora para mim essa crença não tem nada de primitiva. Se interpretarmos os maus espíritos como pensamentos ruins que retemos dentro da gente e que causa um desequilíbrio em nosso corpo, essa crença é perfeitamente natural. Se interpretarmos os maus espíritos como influências negativas que recebemos do nosso ambiente exterior, não há nada de primitivo nisso.
Se interpretarmos os maus espíritos como uma forma intuída e simbólica para identificar vírus e bactérias, coisas que os índios não tinham como perceber, mas intuíam ser verdade, temos aí um exemplo de como eles estavam coletivamente harmonizados com o Cósmico.
Ainda me pergunto se não destruímos essas crenças quando as traduzimos para a linguagem dos brancos. Será que a concepção que eles tinham de espíritos e deuses eram as mesmas que as nossas?Por falar em linguagem, os índios de maneira geral não possuíam linguagem escrita. Nada jamais fora escrito. Seus rituais eram guardados na memória de seu povo e por não estarem escritos, não estavam sujeitos à falsas interpretações ou a interpretações múltiplas como ocorre com determinadas religiões. A palavra escrita perde muito de seu poder, bem sabem os iniciados. A palavra falada vibra e gera vibração. Esse poder nativo foi visto como indicio de que os indios não tinham história, pois a história começa com a escrita. Olhem só o arsenal de mentiras e falsas idéias que os brancos jogaram nas culturas indígenas.
Muitos dos rituais indígenas tinham alto valor psicológico. O que a gente racionaliza e supostamente compreende, eles vivenciavam diretamente. Havia um ritual de máscaras dos navajo em que alguns vestiam máscaras medonhas e outros vestiam máscaras de seres do bem e ambos confrontavam o candidato. Os rosacruzes bem sabem o simbolismo da máscara. Os índios numa região longínqua longe de todo o intelectualismo Ocidental já pressentiam certas verdades iniciáticas belíssimas.
Entre os xavantes há (ou havia) um ritual cíclico em que os homens vestem roupas de mulher e as mulheres vestem roupas de homens, atentando para o equilíbrio psicológico que todos devemos ter dentro da gente na vivência como homem e como mulher (não em nossas encarnações globais, mas na nossa vida atual).
São rituais elaborados na antiguidade do tempo e que foram construídos ou pela Tradição lemuriana ou foram intuídos através das viagens mentais de seus xamãs e pajés.
Uma outra crítica que é feita aos índios é com relação às suas crenças mágicas. A magia “primitiva” se divide em dois tipos: a magia por contato e a magia por semelhança. A primeira é aquela em que o curandeiro ou o guerreiro usa como adorno algum elemento de um animal ou de planta que acredita ter um poder para que ele possa ter os mesmos poderes do símbolo que se identifica. Em outras palavras, a magia por contato é quando alguns guerreiros usam dentes de leão como colar para simbolizar a coragem do animal ou ainda penas de alguma ave que voe alto para simbolizar a consciência do xamã que deve alçar vôos distantes.
Engraçado como essa crença é tida como uma forma primitiva de magia. Do ponto de vista rosacruz, sabemos que podemos enviar sugestões a nosso subconsciente para que adquiramos determinadas qualidades que queremos ver em nós. Consiste em dar ordens à nossa mente ou criamos imagens mentais que ficarão alojadas em nosso subconsciente e fará com que desenvolvamos determinadas habilidades. Ora, isso é exatamente como funciona a magia por contato através de talismãs e símbolos mágicos. Não que essas coisas tenham poder por si mesmas, mas funcionam na sua estreita relação com o subconsciente através da criação de imagens mentais e sugestões. (eu ainda me pergunto se esses talismãs e adornos não teriam poder como símbolos pessoais). Essa crença foi amplamente vista como supersticiosa.
A segunda forma de magia, talvez a mais criticada de todas foi a magia por semelhança, que é aquela que busca realizar atos semelhantes à natureza para buscarem auxílio das forças naturais ou dos deuses, que como já disse, podem ser tanto princípios universais arquetípicos quanto seres mentais criados dentro de uma egrégora particular – em ambos os casos eles não são uma falsa crença em absoluto.
Para exemplificarmos melhor, se algum índio quisesse que a chuva viesses, eles faziam a dança das chuvas para que interferissem junto ao deus das chuvas. Há ainda a dança da boa colheita etc. Independente da validade desses conceitos, eles ilustram antes de tudo um trabalhar em conjunto com as forças do mundo natural, que eles sentiam que eram predominantes. É bem diferente em arranjar uma técnica para controlar as forças do mundo natural. Nesse segundo caso o homem está superior às forças da natureza, no segundo caso ele age em colaboração com elas, rogando sua força e suas aspirações. Engraçado é que esta crença é tida como primitiva, mas ela não desapareceu em absoluto. A oração cristã a um Deus que lhes dá carinho, amor, que te segura nos momentos difíceis e que para alguns dá até carro e casa, nada mais é do que uma forma de interceder junto a um ser celestial, possuem uma base metafísica de intercessão ao divino exatamente igual à dos indígenas, embora sua forma ritualística seja diferente.
Há também formas de magia desse tipo que não são propriamente nativas da América, que é o caso dos vodus trazidos pelos negros africanos.
A magia por semelhança é adotar uma forma material semelhante ao objetivo mágico que se quer atingir.
Até a própria psicologia ataca as sociedades indígenas. O conceito Junguiano de individuação, que é tido como parte de um processo de evolução e desenvolvimento, define, de modo geral, que o derradeiro processo de desenvolvimento psicológico do indivíduo começa quando ele vai para a cidade. Até então as pessoas tinham uma identidade coletiva, tribal e de grupo, em que o indivíduo não podia desenvolver suas potencialidades pois estava ligado à tribo, e eram uma consciência conjunta.
Essa idéia, além de idiota, trata as sociedades tribais como se fosse um entrave à evolução, além de colocar a vivência com o mundo natural como algo que não permita o desenvolvimento da consciência.
Fico espantado como tal idéia encontra escopo mesmo entre os mais renomados psicólogos Junguianos. A vida tribal e coletiva dos indígenas é infinitamente superior ao individualismo exacerbado das cidades, em que o indivíduo pode “desenvolver suas potencialidades”. Nas tribos cada membro tinha seu papel específico. As pessoas que nasciam com tendências ao xamanismo, iam ser xamãs, às que nasciam com tendências à medicina ia ser medicine man, as que nasciam com tendências guerreiras, iam ser guerreiros. Enfim, a tribo era como se fosse um imenso organismo vivo com cada um cumprindo suas partes.
Em nossas sociedades modernas, os indivíduos são uma massa informe, sem ninguém saber qual seu papel dentro de tudo, uma massa de desempregados ou de trabalhadores apáticos, que trabalham não de acordo com suas aspirações interiores, mas pela força da necessidade de sobrevivência, às vezes até 12 horas por dia. Não há a vida coletiva e comunitária, mas a vida divide-se em extremos. Ou há uma massa de fofoqueiros querendo saber da infelicidade e intimidades de outros ou uma massa de pessoas indiferentes às outras. A tribo era uma força coletiva, uma verdadeira nação em que todos se reconheciam como membros de um organismo maior. Nossa como essa crença era primitiva!!!
Por fim, termino o texto com as colocações iniciais – por que os índios não se desenvolveram materialmente tanto como os brancos, chineses e japoneses. Com certeza não é pelo fato de que os índios são burros e os brancos são inteligentes. O desenvolvimento da técnica material não é fruto de habilidades raciais, tal como pretendem os adeptos do darwinismo e nem de inteligência de uns povos. Ele é, assim como as crenças religiosas, fruto de construções e necessidades sociais.
Na Europa, quando os nobres pegavam para si áreas comuns de florestas e pântanos, isso impedia que milhares de camponeses e trabalhadores tivessem acesso a alimentos. Isso provavelmente impulsionou o desenvolvimento de técnicas que permitiam uma maior produção agrícola – o arado. Na China, a disputa entre vários exércitos e a disputa pelo controle do território provavelmente foram as condições que permitiram o desenvolvimento de armas baseadas na pólvora. Em Roma, a necessidades de enriquecer dos latifundiários a partir da venda de produtos, fez com que se desenvolvessem formas de transporte mais eficientes. O que quero dizer é que são necessidades sociais que levam ao desenvolvimento de uma técnica e não leis naturais em que um povo é mais inteligente do que o outro.
Se os índios não tinham diversas tecnologias européias, é porque seu mundo não lhes dava a necessidade de tais coisas e não porque eles eram “burros” e preguiçosos, tal como pretende colocar os historiadores da direita. Num mundo em que abundava a caça e os alimentos porque nenhum miserável havia cercado porções enormes de terra, não havia porque os índios desenvolverem determinadas formas de tecnologia. Num mundo sem reis absolutos, com vida coletiva e tribal, não havia porque ter burocracia, impostos etc. Se eles não tinham Estado, é porque não precisavam disso (aqui eu me refiro aos índios norte-americanos e brasileiros). Seu poder era regulado entre si. Se não tinham leis escritas nem códigos extensos de Direito, é porque não precisavam de palavra escrita para distinguir e saber o que é certo e o que é errado. Entre os nativos da América do Norte, não havia contratos em papel. A palavra de um índio era a garantia de que um acordo seria cumprido.
Poderia ficar elencando diversos elementos do “primitivismo” indígena. A inexistência da propriedade privada e a própria inexistência da noção de “isso é meu” e “isso é seu” é um ponto extremamente positivo e garanto que nós não teríamos metade dos problemas nas nossas sociedades se não fosse a propriedade privada. Aliás, a própria noção de roubo e assalto provém da noção de propriedade.
Certa vez eu estava na faculdade e minha professora de Educação disse como era difícil trabalhar com índios porque ao chegar nas aldeias, eles pegavam a câmera dos cinegrafistas, o cadernos dos professores e usavam. Ora, a inexistência da propriedade privada consiste em passar o uso dos objetos quando acabarmos de usá-los. Na “primitiva” mentalidade do índio, se a professora não estava usando a câmera, ele podia pegá-la.
A propriedade privada tirou a sacralidade dos lugares, pois o que antes era possível ir até lá e cultuar, agora era propriedade de alguém. Os campos em que se podiam circular livremente, agora viravam campos de milho propriedade de algum porco gordo engordando com lucros exorbitantes e ajudando no crescimento do país (a própria idéia de país e Estado com suas divisões de classe é bastante Ocidental). A propriedade privada da Terra inexistia ao menos entre índios norte-americanos e do Brasil. Na América Hispânica existia o usufruto da terra, que é bem diferente de propriedade.
A divisão dos sexos era mais fluída. Em diversas sociedades havia três sexos, homens, mulheres e seres que congregavam tanto o masculino quanto o feminino. Era muito mais justa e humana essa forma de divisão.
A abundância de recursos fazia com que inexistisse a idéia de dinheiro e consequentemente todos os infinitos males que advém da mesma. Aliás, o dinheiro e a necessidade do mesmo para a sobrevivência é a pior experiência que a humanidade está vivendo atualmente. Como lembrou bem o Imperator da Ordem Rosacruz AMORC em seu 4º Manifesto, o dinheiro é um meio de troca. Hoje as pessoas vivem para trabalhar e não mais trabalham para viver.
Acho que consegui com esses poucos exemplos sinalizar alguns pontos das sociedades indígenas que em nada tinham de primitivos. Antes de tudo eram ideais de ética e de relação com a terra profundamente espiritualizados. Cada membro da tribo tinha seu papel. A terra não era propriedade de uma pessoa, mas antes de tudo era o chão em que todos os seres pisavam e viviam, logo não podia ser cercada.
Sua religião era fluída, provinha da sabedoria da observação e da intuição e não de uma “verdade” supostamente revelada. Seus deuses arquetípicos davam força a seu povo. Suas formas de entrar em contato com o subconsciente eram múltiplas e poderosas. Evidentemente tais sociedades tinham muitos problemas e dificuldades, mas nada comparável à quantidade de problemas ambientais, políticos, sociais, econômicos, religiosos e culturais que estamos tendo atualmente em nossas “avanças” sociedades.
O grande problema é que a direita cristã branca ocidental se apropriou da escrita da história e de seus valores intrínsecos. Em qualquer livro de história vemos que a humanidade “evoluiu” quando deixamos de ser caçadores e coletores. Como assim cara pálida? Os índios da norte-américa eram caçadores e coletores e sua sabedoria era de embasbacar qualquer místico Ocidental.
Há uma lenda que esses povos contam dizendo que os homens começaram a caçar os animais e os animais começaram a ficar furiosos. Eles então decidiram se vingar dos homens pois cada animal caçado iria assombrar os homens com um espírito e dar-lhes uma doença. Foi então que as plantas decidiram se unir para ajudar os homens e começaram a nascer plantas medicinais que curavam as doenças que os animais causavam.
Independente da “validade” dessas histórias, elas dão um sentido à vida, um sentido ao mundo. Elas trazem vida aos animais, às plantas e colocam todos os seres se relacionando. Elas dão o colorido ao mundo. Essa sabedoria através de mitos intuitivos não precisa ser “verdadeira” do ponto de vista do fato real. Pouco importa se as plantas se uniram com esse objetivo, o que importa é que determinado povo construiu com seu coração um sentido para o mundo em que habitava. E como esta, há milhares de outras histórias, cada uma mais linda que a outra. Caberá ao pesquisador procurar.
Quando os cristãos invadiram as terras indígenas e destruíram toda aquela cultura sobre o argumento de paganismo, foi o maior e mais poderoso ataque das forças do Mal no planeta. Os milhares de livros astecas foram queimados em praça pública pois eram livros do demônio. Os cristãos sempre estiveram a serviço do Diabo sem saberem. As terras sagradas dos índios norte-americanos foram exauridas, os búfalos mortos e os campos transformados em fábricas, os rios secados para uso na indústria auto-mobilística. Todo o mundo natural deixava de ser sagrado, pois Deus passava a ficar no céu.
Espero que estas palavras tenham feito os estudantes de misticismo latino-americanos a refletirem sobre sua herança indígena e sobre o profundo amor que eles nutriam por essas terras e pelas formas do mundo natural.
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